À procura do gato
de Schrödinger
John Gribbin

Prólogo (adaptado)
Nada é Real
O gato que dá o título do livro
é um animal inventado, mas Schrödinger existe mesmo. Erwin
Schrödinger foi um cientista austríaco que, em meados dos anos
20, desempenhou um papel muito importante no desenvolvimento das
equações de um ramo da ciência hoje conhecido como Mecânica
Quântica.
Ramo da
ciência não será a expressão adequada, pois a
Mecânica Quântica constitui, hoje em dia, a base de
toda a ciência. As equações descrevem o
comportamento de objetos muito pequenos - digamos de
dimensões iguais ou inferiores às atômicas - e
constituem a única fonte de conhecimento de mundo
microscópico. Sem estas equações, os físicos teriam
sido incapazes de planear centrais nucleares (e
bombas nucleares), construir lasers ou explicar por
que razão o sol se mantém quente. Sem Mecânica
Quântica a Química ainda estaria na Idade Média e a
Biologia Molecular - conhecimento do DNA, engenharia
genética, e tudo o resto - não existiria.
A teoria
quântica é a maior criação da ciência, de
significado muito maior e prático do que a teoria da
relatividade. E, contudo, permite fazer
estranhíssimas previsões. O mundo da mecânica
quântica é tão estranho que mesmo Albert Einstein
não o conseguiu compreender e recusou-se a aceitar
todas as conseqüências da teoria desenvolvida por
Schrödinger e outros. Einstein, como muitos outros
cientistas, julgou muito mais adequado supor que as
equações da mecânica são um processo matemático que
permite uma descrição geral do comportamento das
partículas atômicas e subatômicas mas impede o
acesso a uma realidade mais profunda de acordo com a
nossa experiência quotidiana. A Mecânica Quântica
diz-nos que nada é real, e que n podemos afirmar
nada acerca dos fenômenos exceto quando os vemos. O
gato de Schrödinger foi pensado como exemplo para
mostrar claramente as diferenças existentes entre o
mundo quotidiano e o mundo quântico. |
 |
Erwin Schrödinger em
um momento
de descontração |
No mundo quântico já não
vigoram mais as leis que nos são familiares. Os acontecimentos
são regidos por probabilidades. Tomemos como exemplo um átomo
radioativo. Ele pode transformar-se, digamos que por emissão de
um elétron. Mas também pode não o fazer. É possível mostrar uma
experiência de tal modo que num certo intervalo de tempo haja
uma probabilidade de exatamente 50% de um dos átomos de uma
amostra radioativa se transmutar e que, a dar-se essa
desintegração, ela seja detectada por um dispositivo.
Schrödinger, tão preocupado como Einstein com as implicações da
teoria quântica, tentou mostrar o absurdo de tais implicações
imaginando uma experiência como a referida, que ocorreria numa
sala ou caixote fechado, em cujo interior estariam ainda um gato
(vivo) e um frasco de gás venenoso, tudo disposto de maneira que
se a desintegração radioativa se desse, o frasco seria quebrado
e o gato morreria. no mundo quotidiano a morte do gato tem 50%
de probabilidade de ocorrer, e, sem olhar para o interior do
caixote, podemos dizer com segurança que o gato ou está vivo ou
está morto. Mas aqui deparamos com a estranheza do mundo
quântico. Segundo a teoria, nenhuma das das duas
possibilidades de concretização (o gato vivo e fato morto) tem
realidade a não ser que seja observada. Assim a desintegração
nem aconteceu nem não aconteceu e o gato não morreu nem
sobreviveu até que tenhamos olhado para o interior do caixote.
Os teóricos que aceitam a versão pura da Mecânica Quântica dizem
que o gato existe num estado indeterminado que não é vida nem é
morte, até que um observador olhe para dentro do caixote. Nada é
real se não é observado.

Essa idéia era um anátema¹ para
Einstein, entre outros. "Deus não joga dados", dizia,
referindo-se à teoria de que o mundo evolui em conseqüência de
escolhas aleatórias ao nível quântico. Quanto à irrealidade do
estado do gato de Schrödinger, ele justificava-a pela existência
de uma engrenagem subjacente ², unicamente a partir da qual se
tornava possível discernir a realidade fundamental das coisas.
Einstein gastou muitos anos tentando imaginar experiências que
pudessem revelar esta realidade subjacente, mas morreu antes que
uma tal experiência fosse efetuada. E talvez tenha sido melhor
para Einstein não ter vivido até se chegar ao termo da linha de
raciocínio por ele iniciada.
No verão de 1982, na
Universidade de París-Sud, em França, uma equipe chefiada por
Alain Aspect concluiu um certo número de experiências destinadas
a revelar a existência de uma realidade subjacente à irrealidade
quântica. Tal realidade - a engrenagem fundamental -
manifestava-se pela existência de "variáveis ocultas", e a
experiência dizia respeito ao comportamento de dois fótons (ou
partículas de luz) afastando-se em sentidos opostos a partir de
uma fonte comum. Em suma, podemos descrever a experiência: Dois
fótons, emergentes da mesma fonte, são observados por dois
detectores, que medem uma propriedade chamada polarização.
Segundo a teoria quântica, esta propriedade não existe senão
quando é medida. Segundo a hipótese das variáveis ocultas, cada
fóton tem uma polarização "real", bem definida, desde o momento
que é criado. Como os fótons são emitidos conjuntamente, as suas
polarizações estão relacionadas. Mas a relação existente entre
elas não é a mesma nas duas interpretações. O resultado da
experiência foi inequívoco. A relação prevista pela teoria das
variáveis ocultas não foi observada, a prevista pela teoria
quântica foi-o. Mais ainda: a medida realizada num dos fótons
tem efeito instantâneo sobre a polarização do outro fóton, o que
concorda com a teoria quântica. Existe uma espécie de interação
entre os dois, embora ambos se movam a velocidade da luz e a
teoria da relatividade nos ensine que nenhum sinal pode viajar
mais depressa do que a luz. As experiências mostram uma
inexistência de uma realidade subjacente. Assim, não é adequado
pensar em termos de realidade quotidiana quando nos debruçamos
sobre as partículas elementares que constituem o universo. E
contudo, tais partículas parecem intimamente ligadas num todo
indivisível, cada uma ciente do que sucede às restantes.
A procura do gato de Schrödinger
foi a procura da realidade quântica. A partir deste breve
resumo, pode parecer que tal busca foi infrutífera, pois a
realidade tal como a conhecemos não existe afinal. Mas isto não
é ainda o fim da história, e a procura do gato de Schrödinger
pode levar-nos a uma nova compreensão do mundo, compreensão essa
que transcende, ainda que inlcua, a interpretação convencional
da teoria quântica. O caminho é longo, e começa com um cientista
que provavelmente ficaria ainda mais horrorizado do que Einstein
se soubesse quais as respostas que hoje temos para as questões
que o intrigam. Isaac Newton, ao estudar a natureza da luz há
trezentos anos atrás, não podia ter consciência de estar já no
caminho que levaria ao gato de Schrödinger.
¹
[Do gr. anáthema, pelo
lat. anathema.]
S. m.
1. Expulsão do seio da Igreja; excomunhão: &
2. Maldição, execração, opróbrio: &
3. Reprovação enérgica.
4. Indivíduo que sofreu excomunhão (1).
5. Excomungado, maldito, amaldiçoado: &
6. Réprobo, condenado.
Adj. 2 g.
7. Excomungado, amaldiçoado.
²
[Do lat. subjacente.]
Adj. 2 g.
1. Que jaz ou está por baixo: 2
2. Fig. Que não se manifesta, mas está oculto ou
subentendido: 2
[Antôn.: sobrejacente.] |
O NAEQ recomenda a leitura... |

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