Fissão Nuclear
Fissão nuclear é o processo pelo qual um núcleo de número
de massa grande se divide em dois fragmentos de números de massa
comparáveis.
Os núcleos com número de massa grande estão sujeitos à
fissão espontânea com uma probabilidade muito pequena e sujeitos
à fissão induzida artificialmente com uma probabilidade bem
maior.
Pode-se induzir a fissão de um núcleo excitando-o com uma
energia de pelo menos 4 a 6 MeV ou bombardeando-o com nêutrons,
desde que um desses nêutrons seja capturado e que a soma da sua
energia cinética com a sua energia de ligação ao núcleo seja
maior do que o limiar de energia para a fissão.

Por exemplo, um núcleo de urânio 235 pode sofrer fissão ao
capturar um nêutron, mesmo que ele tenha uma energia cinética
muito baixa, da ordem de 0,025 eV (nêutron lento ou térmico), e
um núcleo de urânio 238 pode sofrer fissão ao capturar um
nêutron desde que ele tenha uma energia cinética grande, da
ordem de 1 MeV (nêutron rápido). Essa diferença se deve à
energia de pareamento.
O núcleo do urânio 235 tem um número de prótons par e um
número de nêutrons ímpar. O emparelhamento do nêutron capturado
com o nêutron ímpar do núcleo libera uma energia adicional de
cerca de 0,57 MeV.
O núcleo do urânio 238 tem número par de prótons e de
nêutrons, de modo que o nêutron capturado não pode se emparelhar
e, então, não existe energia de emparelhamento a ser liberada.
Outro exemplo de fissão acontece quando um próton com uma
energia cinética de 0,15 MeV penetra e é absorvido por um núcleo
de lítio 7:
p +
7Li
3 
[
8Be
4 ]
a +
a
O núcleo composto formado contém 8 núcleons, 4 nêutrons e 4
prótons, e, sendo instável, quase imediatamente se separa em
dois fragmentos (partículas
a), cada
um com 2 nêutrons e 2 prótons e uma energia cinética de 8,5 MeV.
A energia cinética dos fragmentos da fissão é muito maior
do que a energia cinética da partícula que iniciou o processo.
Aqui cabe a seguinte observação. A fissão do lítio 7 parece
contradizer a regra que diz que a fissão nuclear com liberação
de energia só ocorre se o número de núcleons dos núcleos
resultantes é maior ou da ordem de 56, já que a curva E / A
contra A tem máximo em A

56.
Contudo, com um exame detalhado do gráfico E / A contra A
pode-se perceber que o ponto correspondente ao núcleo de lítio 7
está à direita de um ponto de máximo local, que corresponde ao
núcleo de hélio 4, e a fissão do núcleo de lítio 7 origina dois
núcleos de hélio 4.
O processo de fissão pode ser entendido do seguinte modo. O
núcleo original e o nêutron absorvido formam o núcleo composto,
que já nasce num estado excitado e com a energia de excitação
colocada em modos coletivos de vibração.

Se a energia de excitação é suficientemente grande, numa
dessas vibrações coletivas, o núcleo composto pode assumir uma
forma com dois blocos de núcleons separados por uma estreita
ponte.
E se, entre esses blocos, a repulsão coulombiana de longo
alcance entre os prótons for mais importante do que a interação
nuclear atrativa de curto alcance, o núcleo composto se
fragmenta.
Se a energia de excitação é baixa, as vibrações coletivas
do núcleo composto não o levam a uma forma muito diferente da
sua forma quando no estado fundamental e, eventualmente, a
energia de excitação é liberada com a emissão de radiação
g.
O núcleo composto vai, então, ao seu estado fundamental e o
processo como um todo não passou de uma captura radioativa de um
nêutron e pode ser representado por:
AX
Z + n

[
A + 1X
Z ]
A + 1X
Z
+
g
A captura de um nêutron lento pelo núcleo de urânio 238
desencadeia o seguinte processo:
238U
92 + n

[
239U
92 ]
239Np
93
+ e
- +
n* +
g
239Np
93
239Pu
94 + e
-
+
n* +
g
ou seja, a captura de um nêutron lento pelo núcleo de urânio 238
resulta em um núcleo radioativo de netúnio 239 que, por sua vez,
decai num núcleo radioativo de plutônio 239.
Esse processo é o responsável, em certos reatores
nucleares, pela produção de grandes quantidades de plutônio.
O núcleo de plutônio 239 é outro exemplo de núcleo que
sofre fissão com a captura de um nêutron lento.
Como um núcleo composto pode decair por qualquer processo
que não viole os princípios de conservação, o urânio 235, por
exemplo, pode sofrer vários tipos de fissões:
235U92
+ n  |
97Rb37 +
137Cs55 + 2n |
|
97Zr40 +
137Te52 + 2n |
|
94Sr38 +
140Xe54 + 2n |
|
87Br35 +
143La57 + 6n |
|
92Kr36 +
141Ba56 + 3n |
Entre os produtos dessas fissões incluem-se fótons
g. A energia cinética total dos
produtos é sempre da ordem de 200 MeV.
Energia Liberada na Fissão
Já foi discutido que o processo de fissão vem acompanhado
de liberação de energia porque a energia de ligação por núcleon
é menor no núcleo que se fissiona do que nos núcleos fragmentos.
Tomando como exemplo a reação de fissão de um núcleo de
urânio 235 em um núcleo de rubídio 97 e um núcleo de césio 137
foi visto que era liberada uma energia de 155,8 MeV. O cálculo
foi o possível de ser feito a partir do gráfico E / A contra A.
Na realidade, a energia total liberada na reação é maior
porque os núcleos resultantes são instáveis e decaem,
posteriormente, por emissão de elétrons, neutrinos e raios
g. Assim, a energia liberada na
fissão de um núcleo de urânio chega a ser de aproximadamente 200
MeV e aparece como energia cinética nos fragmentos principais e
nos nêutrons, elétrons e neutrinos liberados e como a energia do
campo eletromagnético que constitui os raios
g.
Reação em Cadeia
Para cada nêutron absorvido na fissão de um núcleo são
emitidos, em média, mais de dois nêutrons. Para se ter uma idéia
do motivo pelo qual esses nêutrons são emitidos considere-se a
fissão do núcleo de urânio 236, núcleo composto formado pela
absorção de um nêutron pelo núcleo de urânio 235.

Para esse núcleo composto, N / Z

1,57. Logo após a fissão, os fragmentos devem possuir razões N /
Z aproximadamente iguais àquela do núcleo que lhes deu origem.
Se os fragmentos são os núcleos de molibdênio (Z = 42) e de
estanho (Z = 50), os correspondentes números de nêutrons devem
ser 42 x 1,57

66 e 50 x 1,57

78 e os correspondentes números de massa,
108 e 128.
Para os números atômicos dados (42 e 50), os núcleos
estáveis têm frações N / Z menores que 1,57.
Assim, os núcleos fragmentos devem perder nêutrons para se
aproximar (com o mesmo Z) da região de núcleos estáveis, ou
seja, diminuir a razão N / Z. Na verdade, o núcleo composto, ao
se fissionar, já o faz com a emissão de alguns nêutrons
justamente para que os fragmentos tenham menos nêutrons e sua
razão N / Z esteja mais próxima do valor de estabilidade.
Se pelo menos um desses nêutrons provoca fissão em outro
núcleo e, dos nêutrons emitidos nessa nova fissão, pelo menos um
provoca outra fissão, e assim por diante, tem-se uma reação em
cadeia.
Num reator nuclear, o número de nêutrons disponíveis para
novas fissões é controlado de modo que, em média, apenas um
nêutron por fissão origina nova fissão.
Numa bomba atômica (bomba A), ao contrário, o número de
nêutrons disponíveis para novas fissões não é controlado de modo
que, em média, mais de um nêutron por fissão origina novas
fissões. Com isso, o número de fissões cresce exponencialmente
com o tempo e o resultado é conhecido.
A fissão do urânio 235, por exemplo, produz diferentes
pares de núcleos filhos e sempre, entre os produtos, existem
nêutrons. Portanto, em princípio, a fissão do urânio 235 pode
ser sustentada numa reação em cadeia.
Contudo, os nêutrons que fazem parte dos produtos têm
energias cinéticas de cerca de 1 MeV enquanto que o nêutron,
para iniciar a fissão, deve ser um nêutron térmico, ou seja,
deve ter uma energia cinética de cerca de 0,03 MeV.
Assim, os nêutrons que fazem parte dos produtos iniciam
novas reações de fissão com uma probabilidade muito pequena e
efetivamente não podem manter uma reação em cadeia.
Nos reatores nucleares existem substâncias, chamadas
moderadores, cuja função é reduzir a energia cinética dos
nêutrons resultantes das fissões até o ponto de torná-los
térmicos, sem absorvê-los. Aí, então, eles podem sustentar uma
reação em cadeia.
A reação:
p +
7Li
3 
[
8Be
4 ]
a +
a
não pode formar uma reação em cadeia porque, entre os produtos,
nem existem prótons, que são os iniciadores da reação, nem as
partículas
a produzidas podem induzir
fissões de núcleos de lítio 7.
Massa Crítica
Os nêutrons resultantes das fissões numa amostra de
material fissionável devem ter suas energias cinéticas reduzidas
até se tornarem nêutrons térmicos enquanto ainda se encontram na
amostra, caso contrário não poderão iniciar novas fissões para
manter a reação em cadeia.
Assim, a amostra deve ter uma massa mínima para que os
nêutrons, por colisões com os núcleos dos átomos da substância
que constitui essa amostra, percam a quantidade de energia
necessária.
A massa suficiente para manter a razão entre o número de
nêutrons produzidos e o número de nêutrons que iniciam novas
fissões maior que 1 é a massa crítica dessa substância.
Com essa razão maior do que 1, o número de fissões cresce
exponencialmente e a amostra explode.
Reatores Nucleares
Reator nuclear é qualquer sistema físico onde se produz e
se controla uma reação nuclear de fissão em cadeia.
Os reatores que utilizam diretamente os nêutrons liberados
em cada fissão para produzir novas fissões são chamados reatores
rápidos porque os nêutrons em questão têm uma energia cinética
alta, de cerca de 1 MeV.
Os reatores onde os nêutrons liberados em cada fissão têm
sua energia cinética diminuída para um valor menor que cerca de
0,1 MeV antes de produzir novas fissões são chamados reatores
térmicos.
Os nêutrons têm sua energia cinética diminuída por colisões
com os núcleos dos átomos de uma substância chamada moderador
até o ponto de entrar em equilíbrio térmico com ela.
A água pesada e o carbono (na forma de grafite) são as
substâncias usualmente utilizadas como moderadores. Água pesada
é a água onde o átomo de hidrogênio usual é substituído por um
átomo de deutério.

Seja, por exemplo, um reator térmico de água em ebulição.
O combustível é o material fissionável, que pode ser urânio
natural, com cerca de 0,7% de urânio 235, ou urânio enriquecido,
com uma proporção maior do que 0,7% de urânio 235, ou, ainda,
plutônio.
O combustível vai dentro de tubos metálicos, constituindo
os elementos combustíveis. O conjunto dos elementos combustíveis
forma o núcleo do reator.
O moderador aparece ao redor dos elementos combustíveis e
deve ser uma substância de número de massa pequeno, que pouco ou
nada absorva dos nêutrons liberados nas fissões. Se o
combustível for urânio enriquecido, pode ser água, e se for
urânio natural, água pesada ou grafite.
O controle da reação em cadeia é feito através de um
conjunto de hastes que podem ser introduzidas e removidas do
núcleo do reator e são constituídas de boro, háfnio ou cádmio,
substâncias que absorvem nêutrons.
Com a energia liberada pelas fissões, a temperatura do
núcleo do reator e do moderador tende a aumentar continuamente.
Nos reatores de água em ebulição, faz-se circular água por um
circuito fechado que inclui o núcleo do reator, as turbinas e um
condensador.
Em contato com o núcleo do reator, a água líquida,
absorvendo a energia liberada nas fissões, se transforma em
vapor.
O vapor é conduzido às turbinas onde se expande contra as
pás, provocando movimento de rotação.
Saindo das turbinas, o vapor entra no condensador, onde se
transforma em água líquida.
Do condensador, a água líquida é bombeada ao núcleo do
reator e o ciclo recomeça.
No condensador, um líquido refrigerante é bombeado para uma
serpentina imersa no vapor. Entrando com uma temperatura baixa,
o refrigerante absorve parte da energia do vapor, que se
transforma, assim, em água líquida. O refrigerante sai da
serpentina com uma temperatura maior do que aquela com que
entrou.
As turbinas fazem girar os rotores dos geradores e estes
produzem, então, a energia elétrica que é distribuída pelas
linhas de transmissão.
Materiais Fissionáveis
Normalmente, uma amostra natural de urânio contém cerca de
99,3% de urânio 238, não fissionável, e cerca de 0,7% de urânio
235, fissionável.
Como o urânio 238 é um bom absorvedor de nêutrons com
energias cinéticas de cerca de 5 eV, ele tende a absorver os
nêutrons produzidos na fissão do urânio 235 e se constitui,
portanto, em um obstáculo à reação em cadeia.
O uso efetivo do urânio como combustível nuclear requer que
se retire parte do urânio 238 das amostras de urânio natural.
Uma amostra de urânio com uma abundância maior do que cerca de
0,7% de urânio 235 é dita enriquecida. Os processos de
enriquecimento são muito caros.
Outro material fissionável é o plutônio 239, que também se
fissiona como o urânio 235 por captura de um nêutron lento
(térmico). O plutônio 239 não existe na natureza, mas pode ser
produzido num reator nuclear por um processo baseado nas
seguintes reações:
238U
92 + n

[
239U
92 ]
239Np
93
+ e
- +
n* +
g
239Np
93
239Pu
94 + e
-
+
n* +
g
Nêutrons com energias cinéticas de cerca de 1 MeV,
resultantes de fissões de núcleos de urânio 235 em reatores
nucleares, são freados até terem energias cinéticas de cerca de
5 eV.
Com tais energias, os nêutrons são absorvidos por núcleos
de urânio 238 que, então, se transformam em núcleos de urânio
239, altamente instáveis.
Estes núcleos de urânio 239, por decaimento
b-, se transformam em
núcleos de netúnio 239.
Os núcleos de netúnio 239 são radioativos e com uma meia
vida de 2,3 dias se transformam em núcleos de plutônio 239,
também por decaimento
b-.
Esse processo é o responsável, em certos reatores
nucleares, pela produção de grandes quantidades de plutônio. O
plutônio 239 sofre decaimento
a com
uma meia vida de cerca de 25.000 anos (e por isso pode ser útil
como material fissionável):
239Pu
94
235U
92 +
a
É muito difícil a separação do urânio 238 do urânio 235
numa amostra natural de urânio porque eles têm propriedades
químicas semelhantes.
Contudo, quando núcleos de urânio 238 absorvem nêutrons,
eles se tranformam em núcleos de plutônio 239, de modo que a
amostra original passa a conter também esse elemento.
A separação do plutônio do urânio é mais fácil porque eles
têm propriedades químicas diferentes.
Uma última observação. O urânio tem número atômico Z = 92.
Qualquer elemento com Z > 92 é chamado transurânico. O netúnio e
o plutônio são elementos transurânicos. Existem outros elementos
transurânicos e todos são radioativos e artificiais.
Física Nuclear