Poucas
drogas são tão controversas quanto a marijuana.
Para alguns, a droga é uma séria ameaça aos adolescentes,
sendo um ponto de partida para o uso de drogas mais
perigosas. Para outros, a marijuana é uma benção da
natureza, capaz de aliviar o stress da vida cotidiana de uma
forma mais amena e segura que outras drogas, como álcool ou
sedativos. Ambas visões são extremistas, baseadas em
argumentos subjetivos e imutáveis. A esta controvérsia,
recentemente, foi acrescentado mais um tópico: o uso
medicinal da marijuana.
O ingrediente com atividade biológica mais importante da
marijuana é o d-9-tetrahidrocannabinol
(THC), que pode ser encontrado para uso oral ou intravenoso
em muitos hospitais norte-americanos. Esta substância já
está liberada para ensaios clínicos em US, assim como em
vários outros países (não ainda no Brasil). Por outro lado,
o consumo da marijuana in natura - sob a forma de cigarros -
ainda não foi liberado para uso medicinal, nem mesmo em US.
Não, ao menos, a nível federal: vários estados
norte-americanos aprovaram leis estaduais permitindo a venda
e o uso de marijuana para uma variedade de indicações
terapêuticas.
Estas iniciativas são, muitas vezes, apoiadas por grupos que
defendem a liberação total do consumo de marijuana - mesmo
para fins recreacionais. E encontram forte oposição dentre
os grupos que classificam a marijuana como inimigo número 1
da civilização. Quem está certo? Seria a marijuana algo
indispensável no receituário de um médico? Nesta seção, o
QMCWEB tenta aproximar o leitor das promessas terapêuticas
desta droga.
1) Náusea e vômito associados à Quimioterapia
Muitas
drogas efetivas contra câncer provocam notórios efeitos
colaterais: a destruição parcial do tecido epitelial acaba
gerando náuseas e vômitos nos pacientes submetidos à
quimioterapia. Estes reflexos acabam se tornando
condicionados ao tratamento de tal forma, que, após algum
tempo, basta a lembrança dos quimioterápicos para que os
sintomas ocorram naturalmente. Desde 1975,
Sallan et al. (New.
Engl. J. Med. 1975, 293,795) fizeram testes clínicos com
a ingestão oral de THC em pacientes submetidos à
quimioterapia. Os resultados foram satisfatórios: tanto a
náusea quanto vômito diminuiam de intensidade e frequência
nestes pacientes. Outros trabalhos (o mais recente foi o de
Schwartz, no
J. Addict. Dis. 13, 1994, 53) indicaram resultados
similares. Entretanto, o desenvolvimento recente de drogas
sintéticas antieméticas tornou o uso do THC obsoleto: estas
novas drogas são muito mais eficazes. Mesmo assim, grupos
americanos de oncologistas ainda defendem o uso do THC, quer
seja administrado juntamente com drogas antieméticas ou,
ainda, sob a forma in natura, em cigarros de marijuana.
A medicina oferece alternativas mais eficazes (e menos
polêmicas!) do que o THC para estes sintomas. Não obstante,
é difícil acreditar que alguém sofrendo de náuseas e vômitos
tenha condições de fumar um cigarro de marijuana...
2) Emagrecimento associado com patologias
A
primeira patologia que vem a cabeça, neste caso, é a AIDS:
esta doença debilita fisicamente os pacientes, tornando-os
fracos e muito magros. Entretanto, várias outras moléstias
(como anorexia nervosa e depressão severa) provocam o mesmo
efeito e várias drogas têm sido testadas para aumentar o
peso e força física do paciente.
Como um dos efeitos colaterais do uso da marijuana é
justamente o aumento do apetite, logo pensou-se que esta
droga poderia ser útil para estes pacientes.
Os primeiros estudos envolvendo a administração oral de THC
em pacientes com estes sintomas foram feitos por
Hollister (Clin.
Pharmacol. Ther. 12, 1971, 44). Assim como em outras
tentativas posteriores, esta droga não se mostrou muito
eficaz - muito inferior a outros fármacos já disponíveis na
época.
Entretanto, muitos grupos defendem o uso da marijuana -
sobretudo na forma de baseados - para pacientes com AIDS. Um
dos argumentos é que a marijuana poderia auxiliar a diminuir
o sofrimento e angústia destes pacientes, além de melhorar o
seu apetite. Não existem, todavia, estudos convincentes
nesta área, principalmente devido às fortes restrições
legais que os ensaios clínicos envolvendo o uso de baseados
sofrem. Donald Abrams, um pesquisador da AIDS na University
of California, San Francisco, diz que há poucos estudos
relacionados ao uso da marijuana no tratamento de sintomas
da AIDS: "there's no research showing benefits because it
is very hard to get funding to do that work". De
qualquer maneira, outros médicos especialistas na área
alertam que os efeitos tóxicos da erva seriam bastante
devastadores em um paciente debilitado, como no caso de um
aidético.

O marinol é a forma comercial do THC sintético.
Indicado para náuseas, é vendido livremente nas ruas
de Amsterda. |
3) Síndromes de dores crônicas
Embora os efeitos analgésicos da marijuana e do THC sejam
fracos se comparados aos opióides, o fato de que estas
drogas são menos aptas a causar dependência física que as
últimas tem estimulado a busca de analgésicos derivados da
cannabis. Até o presente momento, nenhum resultado
satisfatório foi ainda obtido. Um estudo conduzido no estado
Arizona, em US, mostrou que os pacientes retornavam ao uso
de analgésicos convencionais para aliviarem suas dores,
mesmo que livres para usar a marijuana.
4) Asma bronquial
A asma é uma resposta inflamatória das vias respiratórias -
no caso, dos brônquios. O THC poderia auxiliar no
tratamento, por sua (moderada) ação anti-inflamatória.
Entretanto, estudos já realizados, como o de
McFadden et al. (Harrison’s
Principles of Internal Medicine, McGraw-Hill, New York, pp.
1047-1053,1991) dão ênfase ao fato de que as drogas
anti-inflamatórias já disponíveis são muito mais eficazes do
que a marijuana. Nenhum estudo comprovou a eficácia da
marijuana contra a asma bronquial.
5) Glaucoma
O
Glaucoma é uma doença causada por um aumento da pressão
intraocular (IOP), como um resutado do bloqueio do fluxo
do fluido produzido pelo corpo ciliar. Os sintomas são, em
geral, o aparecimento súbito de miopia ou hipermetropia
associados a dores nos olhos, cabeças e, algumas vezes,
náusea e vômitos. Muitas vezes a pessoa afetada percebe
discos amarelos quando olha para fontes luminosas. O
tratamento envolve drogas que reduzem a pressão intraocular
através da contração da pupila (drogas mióticas) ou até
mesmo cirurgias - o médico faz uma abertura na região
periférica à íris, permitindo a passagem o fluido aquoso.
No caso do tratamento com drogas, a medicina se vale da
facilidade que os olhos têm em absorver rapidamente qualquer
medicamento. Neste caso, o paciente deve pingar gotas do
remédio, diariamente, sobre os olhos.
Um dos efeitos colaterais da marijuana é a vasodilatação
intraocular - o que causa a vermelhidão dos olhos. Este
efeito justifica o uso da marijuana em ensaios clínicos
contra a glaucoma.
Entretanto,
até agora, apenas ensaios envolvendo o THC foram conduzidos
e, novamente, os resultados foram menos satisfatórios
daqueles obtidos com drogas convencionais (Pharmacol. Rev.
1986, 38,2).
Apenas um estudo sistemático utilizando a marijuana para o
tratamento do Glaucoma já foi publicado (Green
K: Marijuana smoking vs cannabinoids for
glaucoma therapy. Arch Ophthalmol 116:1433-7, 1998). De
acordo com Green, a maconha pode causar uma diminuição de
cerca de 25% da pressão intraocular, que dura de 3 a 4
horas.
Green comenta que apenas 60% dos pacientes tiveram estes
resultados - os outros não observaram nenhuma diminuição da
IOP. De acordo com o autor, o uso da marijuana para este fim
não merece crédito, pois além de pouca eficácia ainda tem
uma série de efeitos colaterais, como efisêma pulmonar e
alteração do estado mental.
Diversos autores sustentam que mais ensaios precisam ser
feitos; segundo eles, a marijuana contém muitos outros
ingredientes ativos além do THC, que ainda não foram
testados. Entretanto, a barreira legal dificulta a
realização destes testes. Esta barreira, porém, talvez seja
apenas um reflexo de nossa sociedade: numa entrevista
conduzida na California, apenas 15% dos pacientes com
glaucoma estavam dispostos a tentar o uso da cannabis; os
outros 85% preferiam continuar utilizando drogas
convencionais.
A maior contribuição da marijuana para a medicina,
entretanto, já foi dada: foi graças à cannabis que hoje
conhecemos os receptores cannabinóides (CB1
e CB2). Esta descoberta revelou,
à medicina, um novo campo de ação, onde novas substâncias
sintéticas, capazes de interagir com estes receptores mas
sem os efeitos nocivos e indesejáveis do THC, possam ser
úteis no tratamento de várias doenças, como as de origem
congnitivas, na dor, problemas gastrointestinais e doenças
neurológicas. É neste campo que se concentram, hoje, a maior
parte dos cientistas que estudam os compostos cannabinóides
(leia, como exemplo, o excelente artigo de
Piomelli, D. et
al. (The endo-cannabinoid system as a target for
therapeutic drugs. Trends Pharmacol. Sci. 2000, 21, 218–224).
O grande ôba-ôba
em torno da liberação terapêutica da marijuana tem pouca
relação com a medicina: na verdade, os grupos que defendem
esta liberação acreditam em uma descriminação gradual da
droga, sendo o hospital apenas o primeiro estágio. A ciência
- sem preconceitos - tem mostrado que, além do uso
recreacional, a maconha não tem nenhuma outra propriedade
que não possa ser substituída e ultrapassada por uma droga
sintética não-narcótica. O Professor de Psiquiatria da
Harvard Medical School,
Lester Grinspoon,
resume estas observações: "the psychological effects of
cannabis are helpful for patients in dealing with their
condition, even without objectively measurable improvement
(...) marijuana would fulfil its medical potential in the
best way when it is legally available to every adult
individual”. Ou seja, isto é mais uma questão de
direitos humanos do que de medicina ou ciência.

Deu no jornal!
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Pharmacology, Biochemistry and Behavior 69
(2001) 343–350
Um interessante estudo foi conduzido, num
período de dois anos, por pesquisadores do
Department of Psychiatry da University of
Chicago, IL/US.
Wit et. al. compararam os efeitos sobre náusea,
vômito e tontura em pacientes sofrendo
quimioterapia de quatro formulações: duas a base
de THC, um placebo e uma a base de uma potente
droga antiemética convencional, o ondansetron.
Seus resultados - resumidos nas figuras abaixo -
são claros: a maconha, muitas vezes, perde até
mesmo para o placebo. Em todos os casos o
ondansetron se mostrou extremamente mais eficaz.

Número de pacientes (%) que reportaram tontura
até 5 horas após administração da droga.

Número de pacientes (%) que reportaram náusea
até 5 horas após administração da droga.

Número médio de episódios de vômito reportados
até 5 horas após administração da droga.
Além da baixa eficácia terapêutica, os pacientes
reportaram desconforto com o uso do THC. A
alteração do estado mental foi sentida por mais
de 60% dos pacientes que tomaram THC, em
contraste aos menos de 2% que receberam
ondansetron. Os autores concluem o trabalho
dizendo que o uso terapêutico da marijuana como
droga anti-emética deve ser descartado.

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Deu no Jornal!
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Oral Oncology, Vol. 33, No. 6, pp. 398-401,
1997
Maconha
causa câncer de boca!
Carcinoma da mucosa oral é um sério problema de
saúde. Um recente trabalho comprovou que o
consumo de maconha é um forte fator de risco
para o desenvolvimento desta patologia.
N.A. Firth, da School of Dental
Science da University of Melbourne,
Australia, fez um estudo sistemático com vários
pacientes de câncer oral, de vários países. Sua
primeira constatação foi de que em países onde o
consumo de marijuana era liberado, a incidência
deste tipo de câncer era maior.
Segundo o autor, sobre a influência do calor (no
baseado ou cachimbo) pode ocorrer a aromatização
dos cannabinóides presentes na cannabis. Isto
levaria à formação de hidrocarbonetos aromáticos
policíclicos, como benzopireno, fenóis,
fitosterols e outros compostos, notoriamente
carcinogênicos. Estes compostos já foram
detectados na fumaça da maconha (Medical Journal
of Australia, 1992, 156, 495-7). Também as
perigosas nitrosaminas estão presentes na fumaça
da maconha - em concentrações maiores do que na
fumaça do tabaco.
Os resultados obtidos neste trabalho são
alarmantes: dentre os vários pacientes com
câncer oral entrevistados, 35% eram usuários
frequentes da marijuana. Entretanto, o que mais
choca era que a idade média em que estes
pacientes usuários adquiriram o câncer oral era
muito menor daqueles que não fumavam maconha: 23
anos e 45 anos, respectivamente. O tempo de
sobrevida após o diagnóstico era de 2 anos, em
média, para usuários de marijuana e de 7 anos
para não usuários.
O autor conclui alertando que existe uma forte
relação entre o consumo de marijuana e o
desenvolvimento de carcinoma oral.

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